A pintura como ação ecológica

artigos Edição 37

Painting as an ecological action

PEREIRA, Cassandra;LOUREIRO, Domingos; ALMEIDA, Teresa. A pintura como ação ecológica. In: Aguarrás, vol. 8, n. 37. ISSN 1980-7767. São Paulo: Uva Limão, JAN/JUN 2021. Disponível em: <https://aguarras.com.br/a-pintura-como-acao-ecologica/>. Acesso em: [current_date format=d/m/Y].

Resumo: O presente artigo tem como alicerce o despertar de uma consciência ecológica através do campo artístico da Pintura. Apresentando a visão artista de Onya McCausland (1971-) e John Sabraw (1968-) que manifestam o seu interesse num papel ativo no campo ecológico, assim como uma relação com a estética do comprometimento de Berleant. Assente numa preocupação ecológica procura-se aqui defender a capacidade que a Pintura possui enquanto parte para um entendimento ecológico.

Palavras-Chave: Comprometimento, Consciência Ecológica, Envolvência, Experiência, Natureza

Abstract: The present article is based on the awakening of an ecological conscience exploring through the artistic field of Painting. Presenting the artistic vision of Onya McCausland and John Sabraw, who express their interest in an active role in the ecological, as well as the Berleant’s aesthetics of engagement, field. Based on an ecological concern, the aim here is to defend the capacity that Painting possesses as part of an ecological understanding.

Key words: Engagement, Ecological Awareness, Involvement, Experience, Nature

 

Introdução

A consciência sensorial compõe uma parte da experiência que designamos estética. A apreciação estética é considerada um modo de experiência direta e comprometida, dado requerer uma experiência percetual que envolve o corpo de modo sinestésico.

Seguindo a estética de comprometimento de Berleant, o sujeito que apreende e o ambiente são frações da respetiva experiência integral (BERLEANT, 1997). A estética do comprometimento foi apresentada por Berleant como uma alternativa à estética do desinteresse defendida por Kant. Este comprometimento rejeita qualquer tipo de divisão ou dualismo, dando assim primazia a uma apreciação participativa, reconhecendo o valor estético no processo de reciprocidade mútua presente na participação ativa entre apreciador e ambiente. (BERLEANT, 2013) A experiência da estética do comprometimento apela à adoção de um comportamento de reciprocidade, de mente aberta, de colaboração e de capacidade de resposta, disponibilidade e vontade na habilidade de reconhecer o valor estético positivo ou negativo desse ambiente. (SAITO, 2017)

Nesta compreensão do modo participativo com o ambiente, o importante na experiência estética assenta nas trocas percetivas, no modo como as coisas são experienciadas. Assim, ao apelar à sensibilidade integral do individuo, a experiência estética possui a capacidade de originar envolvimento e compromisso que desencadeiam sentimentos de continuidade e inclusão.

Quando o artista vivência essa experiência estética, e foca a sua prática artista na natureza com um interesse ecológico, há uma necessidade de comunicar a presente vivência. De forma mais direta ou mais rebuscada, o artista vai dando destaque a pontos relacionais presentes na sua convivência com a natureza.

O modo como experienciamos uma manifestação artística que tenha por base a relação do sujeito com a natureza, depende da forma como nos relacionamos com a natureza. De maneira intrincada a apreciação da natureza e a apreciação da natureza na arte complementam-se. (BERLEANT, 2013) A apreciação reclama em si uma consciência que de forma atenta consiga destacar o modo como as características e qualidades apreendidas pelos sentidos afetam e desenvolvem a nossa relação com o ambiente natural. Na estética de comprometimento de Berleant o valor estético posiciona-se na reciprocidade adquirida na participação ativa entre o sujeito e a natureza.

Ainda que a Pintura se encontre no campo da representação visual, isso não indica que esta se cinja a uma estética da aparência. Assim como Berleant afirma, a apreciação da natureza destaca-se pela sua capacidade de unificação, e essa qualidade evidencia-se tanto na arte quanto na natureza. Quando o individuo se posiciona sobre a obra e a natureza como elementos através dos quais desenvolve de forma espontânea e participativa uma apreciação estética ao invés de os encarar como elementos talhados para serem apreciados esteticamente, tal questão é anulada. (BERLEAN, 2013) Tanto o artista quanto o sujeito ao participarem de forma ativa no ambiente natural incorporam-no e desenvolvem relacionamentos que cooperam com o mundo vivido.

Inserindo-se neste enquadramento, inúmeros artistas plásticos têm realçado a necessidade de uma maior compreensão e entendimento do ambiente no qual nos encontramos inseridos. Quer seja para apelar à vitalidade dos organismos que a compõem, quer seja como relato ou alerta para as consequências das nossas ações na e para a vida destes, e concludentemente para nós enquanto seres inseridos e dependentes da natureza. Seguindo esta linha de entendimento apresentar-se-ão em seguida a obra de dois Pintores, Onya McCausland (1971-) e John Sabraw (1969-) que percecionam a natureza na sua agência e relação com o ser humano. Estes artistas revelam-se importantes na medida em que estabelecem uma conexão contínua e comprometida com o meio natural. As experiências estéticas que vivenciam com a natureza afetam fortemente o seu trabalho, encadeando-o para um despertar ecológico.

Propondo uma mudança de perspetiva na valorização do mundo natural quer pela utilização da cor como o elemento principal e unicamente necessário para expressar a relação que estabelecem com o ambiente que os circunda, como no caso de McCausland. Ou ainda pelo intuito de despertar no espectador as memórias de experiências presenciadas na natureza, de forma a suscitar a criação de um vínculo emocional que permita ao observador disponibilizar-se para discutir sobre o assunto e incentivá-lo a agir sobre o problema, como elabora Sabraw. A experiência estética da natureza apresenta-se deste modo como primordial no estabelecimento e desenvolvimento de um vínculo com o sujeito assim como propicia a um agir ético.

Em ambos os casos, cada artista destaca o ambiente natural circundante e a sua singularidade, mas também a sua experiência estética estabelecida com ele. Como Varandas menciona:

Tratar-se-á porventura de um processo circular: a sensibilidade espontânea é intensificada pelo conhecimento ecológico e tal necessário refinamento propicia uma ação condicente com a realidade natural a qual, por sua vez amplia a profundidade e o significado das experiências preceptivas. (VARANDAS, 2014; 144)

É na Pintura e com a Pintura que McCausland e Sabraw refletem e expressam os seus focos de interesse. Existe um dialeto próprio da Pintura que muitas vezes se encontra presente somente para os que a praticam. E é a partir dessa linguagem que se estabelece uma ligação maior. Ainda que os temas derivados de uma preocupação ecológica para com a natureza tenham tido um destaque mais longo em práticas escultóricas e multimédia, no campo da Pintura essas abordagens não revelam um leque tão amplo, por esse motivo é ainda mais relevante conseguir possuir referências no campo da Pintura.

 

Onya McCausland

Onya McCausland, pintora inglesa, tem, ao longo do seu trabalho artístico, por intermédio de Pinturas minimalistas, instalações, murais e trabalhos Land Art, manifestado interesse na capacidade que um material, nomeadamente a cor, possui enquanto indicativo no descobrimento e exploração de histórias subjacentes a esta. A sua prática artística baseia-se na exploração de cores presentes nas paisagens, em redor do Reino Unido, por meio de processos geológicos, potenciando e testando as proximidades entre o solo e a superfície, realçando as características geográficas, geológicas e pictóricas da cor. (BOARDMAN, 2019; MUNDI, 2018)

Numa abordagem assente na incorporação e continuidade, McCausland regista por meio das suas Pinturas a intensidade estética, o caracter único de cada paisagem e a sua potencialidade de relatar histórias imersas, interligadas, ocultas ou esquecidas. (THE PACKET, 2018)

Segundo Alan Boardman (1980-), pintor e investigador em Artes Visuais, o trabalho artístico de Onya McCausland torna visível a ligação entre a imagem e a fisicalidade, presente na relação de envolvência entre a artista e a cor enquanto matéria da Terra, de importância não só cultural, mas acima de tudo ambiental. (BOARDMAN, 2019)

Na prática artística de McCausland a Pintura é utilizada como meio relatador da proximidade entre a superfície e o nosso corpo. O que se torna visível por intermédio das propriedades óticas, sensoriais e materiais, vai muito além de uma reprodução pictórica com exigências de enquadramento ou esteticamente apelativas ao olhar. Aqui uma única cor dá a ver ao espectador um elemento integrante da paisagem à qual pertence, assim como um relato das histórias das quais fez parte, como podemos constar nas obras “Landscapes” (Fig. 1) (MUNDI, 2018) A artista acompanha todo o processo da cor, desde a sua recolha em resíduos de tratamentos de águas subterrâneas presentes nas paisagens selecionadas ao redor do Reino Unido como Six Bells, The Forest of Dean, Tan-y-Gran, Cuthill, Caphouse e Saltburn, até à sua transformação em material colorido próprio para a produção de Pinturas, explorando-o nas suas diversas características como intensidade e transparência. Para explorar o material proveniente da paisagem, Onya faz uso da Pintura como motor principal na descoberta das qualidades e características óticas de cada cor, visualizando atentamente como esta se comporta durante a prática artística. Como a própria artista refere:

A atenção para a transformação de cada material é feita por meio de interações na paisagem e imersão no estúdio e sintetizada por meio da pintura para examinar a relação entre cor e paisagem”[i] assim como é no atelier “onde as cores expressam personalidades individuais e onde a relação entre o material e a forma que se deseja começa a emergir e a se intensificar[ii]. (MCCAUSLAND, 2017; pp. 14 e 18)

Figura 1. Onya McCausland, “Landscapes”, 2018, ocre recolhido em paisagens ao redor do Reino Unido sobre tela, Anima Mundi Gallery, St. Ives

Na sua obra “Salt Green Transition” (Fig. 2) McCausland visitou as minas cobre, agora encerradas, de Cornwall com o intuito de observar e recolher o ocre azul esverdeado proveniente dos resíduos de carbonato de cobre. Sendo uma Pintura site-specific[iii] de grandes dimensões o espaço caracteriza amplamente as qualidades formais da obra. Fazendo uso de um pequeno pincel a autora vai construindo e desconstruindo a obra. Por meio de um gesto suave retira levemente o pigmento anteriormente aplicado reposicionando-o no outro extremo da pintura. Numa dinâmica entre a adição e subtração, entre o cheio e o vazio aliam-se diferentes tensões compositivas (Fig.3). Num jogo de dualidades entre positivo e negativo, a artista vai percorrendo o espaço inúmeras vezes comprometendo-se num movimento cruzado com o espaço expositivo.

Figura 2. Onya McCausland, “Salt Green Transition”, 2010, Newlyn Gallery, Cornwall, Reino Unido
Fig. 3 Captações fotográficas no momento de produção da obra “Salt Green Transition” de Onya McCausland, 2010

Nas suas pinturas murais, McCausland insere também o espectador num ambiente imersivo. Este deixa de ser um sujeito passivo e passa a ser um elemento integrante da obra. A autora não se limita a restabelecer uma ligação entre a imagem e a materialidade num contexto pictórico, mas revela através do material as relações interativas entre o ser humano e a natureza, trazendo uma consciencialização da estrutura única e singular da natureza. Nas obras que compõem “Five Colours Five Landsacapes”, (Fig.4) situadas no claustro principal da University College London, cada parede corresponde a uma paisagem, e em cada uma está subentendida uma história correspondente ao sítio a que cada cor pertence.

Quando a artista utiliza a parede como suporte para a Pintura, está implícita uma tentativa de libertação da monumentalidade da tela assim como um desejo de sobrepor a materialidade da cor à produção de uma imagem. A artista pretende utilizar as cores de modo a atribuir destaque a “um realinhamento das propriedades viscerais da matéria como novos ‘atuantes’ narrativos potentes”[iv]. (MCCAUSLAND, 2017, p. 166)

McCausland procura com que cor tenha tanta intensidade como tinha no seu local de recolha, de modo a fazer jus à paisagem onde se encontra inserida. Por uma utilização média de duas camadas de cor, a superfície assemelha-se à textura da argila. Todas as intervenções, adições, marcas, furos e aranhões que compõem a parede são deixadas assim, tornando-se ainda mais evidente com a aplicação de uma cor tão intensa. A artista assemelha tais características que compõem a superfície como elementos que a constroem e fazem parte dela incorporando a sua própria paisagem, assimilando a sua ação plástica a intervenções Land Art. (MCCAUSLAND, 2017)

Fig. 4 Onya McCausland, “Five Colours Five Landscapes”, 2018, Cloister, University College London

A materialidade presente na cor com a sua densidade corpórea, intensifica o ambiente numa sensação de peso que tem origem algures na cor. A pintora atribui à cor o mesmo poder que a imagem possui quando é capaz de conciliar o mundo exterior e o mundo da imaginação. Aqui a cor contém o poder de aludir a todos os espaços de repouso de resíduos poluentes. Desligando-se do consumo excessivo da imagem, McCausland faz uso da simplicidade pictórica de modo a produzir uma sensação de libertação de ideias preestabelecidas, apelando a um restabelecimento das relações básicas e primordiais com o meio natural, assim como a sua constante contaminação. Ao fazer uso da verticalidade da parede, a artista coloca em primeiro plano aquilo que se encontra debaixo de nós, como as minas de carvão, cobre, entre outras, assim como as lagoas onde repousam os resíduos dessas ações. O que se encontra na horizontal é transportado para a vertical assumindo um sentido de confronto e despertar de realidades.

Tal como Berleant afirma, “uma das experiências mais complexas de continuidade é apresentada nos ‘encontros estéticos profundos e poderosos com a arte e a natureza’ sendo que a continuidade representaria a ‘completude do envolvimento estético’”. (BERLEANT in PATRÃO, 2016, p. 43)

McCausland é aqui destacada pelo seu intuito de reforçar a relação de continuidade e envolvência na construção de um ambiente imersivo, mas também pelo interesse nas paisagens e lugares que estabelecem uma união interdependente e interrelacionada com o individuo. Utilizando a cor como elemento principal e autossuficiente, é através dela que a artista tira maior partido e capacidade criativa na construção pictórica.

Ao fazer uso de formas geometrizadas a artista remete para a delimitação geográfica dos lugares de exploração e depósito dos respetivos resíduos, em certa medida, McCausland é influenciada pela morfologia das paisagens que frequenta. Transitando para a prática artística pessoal, também a estrutura das formas e a sua movimentação provêm do ambiente circundante e vivenciado. Através de um processo de simplificação das formas naturais e dos seus movimentos em concordância com o ambiente, é realizada na Pintura uma composição que concilia tais entendimentos.

 

John Sabraw

John Sabraw, pintor de origem inglesa, realça por meio da Pintura o seu forte caracter ambientalista e ativista. Desde o início da sua prática artística que Sabraw se interessa por questões ambientais e de sustentabilidade, daí que o seu trabalho realce tanto a vertente estética como a vertente ativista. (SURUGUE, 2019) As suas Pinturas, instalações e desenhos são desenvolvidos de forma consciente no que toca ao panorama ecológico, através de uma prática sustentável, sendo por meio da arte que o pintor atribui sentido às suas experiências. (PEDERSON, 2016; SABRAW, 2020)

Quando se mudou para o Ohio, nos Estados Unidos da América, o artista deparou-se com um cenário que o chocou profundamente. Os riachos, que circundam a zona que frequentava, encontravam-se extremamente poluídos com altas quantidades de ácidos tóxicos provocados pelo escoamento dos resíduos de minas de carvão abandonadas. (SURUGUE: 2019) Como consequência os níveis de acidez da água tornaram-se cada vez maiores e a vida aquática extinguiu-se. (ZUKAUSKAÎTE, 2019)

Combinando o campo artístico com o campo científico, numa interação arte/ciência através de rigorosos processos de engenharia, John Sabraw desenvolveu juntamente com o engenheiro ambiental Dr. Guy Riefler a Ecovention designada “Toxic Art” que tem como objeto o fornecimento de soluções eficazes no combate à poluição da água, não só pela limpeza das águas, mas também pelo restabelecimento e revitalização biológica dos rios. (SURUGUE: 2019) Por meio da extração de pigmentos através dos óxidos de ferro, o grupo de artistas e cientistas que compõem o projeto recicla tais resíduos em pigmentos para a produção de tintas artísticas para uso próprio e coletivo (Fig. 5). (ZUKAUSKAÎTE, 2019; DAURAY, 2015)

Fig.5 John Sabraw em diferentes etapas no processo de recolha de resíduos para a obtenção de pigmento

Podemos realçar a qualidade autossuficiente que o ciclo presente na “Toxic Art” possui. Ao reciclar componentes tóxicos em tintas de artista, com o intuito de criar algo relevante para a produção artística dá-se aqui uma estratégia que permite fortalecer a ecologia regional. (ZUKAUSKAÎTE, 2019)

Esta relação de cooperação interdisciplinar entre arte e ciência é de importância fulcral para o artista que afirma:

É o caminho mais importante a seguir. Nós artistas temos duas coisas que podem beneficiar as ciências. Temos inventividade espacial, olhamos para as coisas e podemos vê-las visualmente de muitas maneiras diferentes. E dizemos o que pensamos não nos detemos – tudo isto pode levar a que se encontrem inovações e soluções criativas para fazer avançar mais rapidamente.[v] (SABRAW in SURUGUE, 2019)

 

Segundo Cruz, as relações entre estas duas áreas (arte/ciência) são cada vez mais comuns :

… conduzindo a avanços não só da arte, mas também da ciência e da perceção pública dos processos científicos e artísticos. Colaborações entre cientistas não só têm resultado em obras de arte que representam elementos do mundo da ciência, como também na exploração de métodos e materiais científicos como novos meios de expressão artística. (CRUZ, 2001; 23).

 

No panorama da produção artística, John Sabraw trabalha a partir de uma visão topográfica sobre as extrações subterrâneas de recursos naturais como o carvão. O pintor realça a dualidade entre a engenharia humana para a extração de recursos e o descontrolo no consumo desmedido de tais produtos. (BLUFFTON, 2019) Transportando o seu interesse nas características presentes nos fenómenos naturais, Sabraw explora como esses processos fazem uso na Pintura e da ação do tempo sobre esta. Utilizando tintas à base de água, pigmentos e outros materiais secos, as suas obras resultam de inúmeras camadas de diferentes cores e viscosidades sobrepostas e misturadas entre si, que entram num processo de interação, diluição e coagulação com a humidade, reticulação, temperatura, evaporação e todo um amplo espectro de forças naturais, agindo e reagindo num processo de duração variada sobre uma superfície, geralmente de alumínio ou tela. (SABRAW in PEDERSON, 2016) Como podemos observar na sua obra “Delta Bloom” (Fig.6) pertencente à serie “Anthrotopographies” que reflete sobre o tema abordado no parágrafo anterior, e na obra “Chroma S61” (Fig.7) da série “Chroma” que incide sobre a fragilidade existente na relação ser humano e natureza.

Fig.6 John Sabraw, “Delta Bloom”, 2019, 274 x274 cm, tinta de óleo com óxidos de ferro AMD sobre tela

 

Fig.7 John Sabraw, “Chroma S61”, 2019, 121×121 cm, tintas à base de água, óxidos de ferro AMD e resina acrílica sobre linho

Por meio de uma linguagem abstrata o artista cria composições circulares repletas de efeitos. Entre diversas camadas de tinta originam-se formas irregulares carregadas de cor que vão delimitando o seu território compositivo. De modo mais suave ou intenso as cores conciliam-se e coabitam. Num formato que se torna uma clara analogia ao planeta, Sabraw constrói composições pictóricas apelativas que despertam a atenção do espectador.

Fazendo uso desse caracter apelativo, nas suas obras “Terra Carto S1 2” e “Terra Carto S1 3” (Fig.8 e Fig.9) tira partido da gravação laser para tornar visível o que se encontra escondido dos nossos olhos, mesmo debaixo do solo que pisamos. Como se de uma topografia se tratasse, Sabraw transporta para a Pintura os mapeamentos executados para a exploração subterrânea de carvão. Desenterrando esses maquinismos esquemáticos, o artista destaca tanto a capacidade de engenho do ser humano quanto o seu investimento consumista. Sabraw procura entender a forma com o ser humano se relaciona com o não-humano.

Numa visível comparação com ao processo de escavação, ao gravar a superfície da obra com laser, Sabraw vai perscrutando como o ser humano age perante o mundo, o molda e ajusta às suas necessidades. Nas suas obras é também possível visualizar o destaque que atribui a estes engenhos humanos, sendo notória a superioridade de ocupação destes na composição em contrapartida ao elemento natural, que aqui encaramos como sendo a secção a azul numa analogia à água, realçando a atitude exploratória excessiva do ser humano face aos recursos naturais.

Fig. 8 John Sabraw, “Terra Carto S1 2”, 2017, papel gravado a laser, pintura acrílica sobre placa de conservação,60,96×60,96cm

 

Fig. 9 John Sabraw, “Terra Carto S1 3”, 2017, papel gravado a laser, pintura acrílica sobre placa de conservação,60,96×60,96cm

O artista possui deste modo um comprometimento com o ambiente que o circunda, nomeadamente com a paisagem, a flora e a fauna. A sua atitude ampla e aberta em relação à interdisciplina entre a arte e a ciência, não procura aumentar a consciencialização sobre o impacto ambiental antes apresenta-se como um meio para a elaboração de um diálogo que resulte em medidas solucionais para problemas concretos. Como menciona Berleant, “o corpo consciente não observa o mundo de modo contemplativo, mas participa ativamente no processo experiencial.” (BERLEANT in PATRÃO: 2016; 48) Neste contexto de “envolvimento/comprometimento criativo ambiental” (Ibidem; 80) realça-se uma das abordagens de Berleant, na qual o sujeito participa no ambiente por meio de uma perceção ativa (…) na qual é retirada deliberadamente do campo percetivo algo indesejado. (PATRÃO, 2016)

Ao fazer uso de cores e formas que se interligam e confluem, e é a partir desta noção que o artista se realça enquanto ponto de influência no trabalho prático. Durante a busca pelo vocabulário pictórico pessoal, as obras do artista foram marcantes num primeiro plano de compreensão da simplificação na aplicação das cores, durante a abordagem plástica das monotipias, assim como a escolha de uma paleta cromática assente em três cores, laranja, azul e magenta.

Sabraw destaca-se também aqui pela na pretensão de despertar no espectador a memória de uma ou mais experiências que este tenha presenciado na natureza, na tentativa de avivar um vínculo emocional que permita ao observador disponibilizar-se para discutir sobre o assunto e incentivá-lo a agir sobre o problema. (SURUGUE, 2019)

 

Conclusão

A experiência estética do ambiente produz no apreensor, segundo Berleant, como anteriormente mencionado, que ativamente participa em tal, envolvimento e compromisso que geram sentimentos de inclusão e continuidade para com o meio natural, assim como ao sentimento de totalidade permitindo estabelecer uma ligação simbiótica com o todo. Enquanto individuo experimentador o sujeito ultrapassa a sua esfera e disponibiliza-se a conhecer o outro, orientado por princípios de respeito e mútua colaboração. O comprometimento que via apreciação estética é apresentado aqui como uma forma privilegiada de entrega e multiplicidade de sensações que ocupam o corpo e tal facto compromete o sujeito com o ambiente.

É percetível a ação ativa dos artistas perante o panorama de urgência ecológica. Onya McCausland e John Sabraw ao fazerem uso de resíduos tóxicos para a produção das suas obras, não é só a busca de uma cor que está implicada, mas toda uma entrega e comprometimento com o ambiente em que vivem. É um estudo e procura, que visa destacar histórias e situações resultantes da ação humana. É através da Pintura que destacam e exercem o seu papel na ação ecológica.

 

 

Referências

BERLEANT, A. Living in the Landscape. Toward an Aesthetics of Environment, Kansas: University Press of Kansas, 1997.

BERLEANT, A. What is Aesthectic Engagement?, Contemporary Aesthetics, 2013. Disponível em: <https://contempaesthetics.org/newvolume/pages/article.php?articleID=684>.  Acesso em: 26/03/2020.

BLUFFTON, U. Anthrotopographies, Bluffton University, 2019. Disponível em: <https://www.bluffton.edu/news/-2019-20/101519Anthrotopographies.aspx>.  Acesso em: 11/08/2020.

BOARDMAN, A. Carbon Monochrome: Manuel Delanda and the Nonorganic Life of Affect, Open Arts Journal, Issue 7, pp. 59-77, 2019. Disponível em: <https://openartsjournal.files.wordpress.com/2019/05/oaj_issue7_boardman.pdf>.  Acesso em: 20/12/2019.

CRUZ, M. Tecnociência e os laboratórios da arte in Perez, Miguek von Hafe, Sameiro, S. (2001) A experiência do lugar: arte & ciência. Porto: Porto, 2001.

DAURAY, M. John Sabraw: Eco-Conscious Artist and Alchemist, The Healing power of Art and Artists, 2015, Disponível em: <https://www.healing-power-of-art.org/john-sabraw-eco-conscious-artist-and-alchemist/>.  Acesso em: 11/08/2020.

MCCAUSLAND, O. Turning the Landscape into color, PHD thesis, Slade School of Fine Artes, UCL, 217 pp., 2017 Disponível em: <https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/10039744/2/McCausland_10039744_thesis_volume1.pdf>.  Acesso em: 26/08/2020.

MUNDI, A. Onya McCausland: Information, 2018 Disponível em : <https://www.animamundigallery.com/onya-mccausland-artist-page>. Acesso em: 19/12/2019.

PATRÃO, J. A paisagem enquanto experiência. Mar: imersão e viagem, Faculdade de Belas Artes, Relatório de Projeto de Mestrado em Pintura, Faculdade de Belas Artes. Porto: Universidade do Porto, 2016.

SABRAW, J. John Sabraw: About, 2020, Disponível em: <https://www.johnsabraw.com/about-1>.  Acesso em: 11/08/2020.

SURUGUE, L. John Sabraw – The magician turning pollution into art, Euronews, 2019, Disponível em: <https://www.euronews.com/living/2019/07/13/john-sabraw-the-magician-turning-pollution-into-art>. Acesso em: 11/08/2020.

THE PACKET. Onya McCausland’s ‘Landscapes’ useswaste materials from coal mining, The Packet, 2018. Disponível em: <https://www.falmouthpacket.co.uk/leisure/eventsguide/17194952.onya-mccauslands-landscapes-uses-waste-materials-from-coal-mining/>  Acesso em: 27/12/2019.

VARANDAS, M. A Natureza Solo de Conjunção da Ética e da Estética. Fundamentos para a perspetivação do valor estético da natureza na ação ambiental. Tese de Doutoramento em Filosofia – Ramo de especialização em Filosofia da Natureza e do Ambiente, Faculdade de Letras. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2014.

ZUKAUSKAÎTE, K. Toxic Art by John Sabraw, kata illustration, 2019, Disponível em: <http://kata-illustration.com/blog/2019/03/toxic-art-by-john-sabraw.html>.  Acesso em: 11/08/2020.

 

Notas

[i] The attention to each materials’ transformation is made through interactions in the landscape and immersion in the studio and synthesised through painting to examine the relationship between colour and landscape.

[ii](…) is where the colours express individual personalities and where the relationship between the material and the form it desires begin to emerge and intensify.

[iii] As suas obras caracterizam-se site-specific na medida em que a artista cria as pinturas murais em sítios comissariados ou para efeitos expositivos temporários. Em muitos dos casos estas obras encontram-se em edifícios localizados nos lugares onde a artista efetua a recolha de pigmento.

[iv] “a realignment of the visceral properties of matter as new potent narrative ‘actants’”

[v] “It’s the most important way forwards. Us artists have two things that can benefit the sciences. We have a spatial inventiveness, we look at things and can see them visually in so many different ways. And we say what we think, we don’t hold back – all of this can lead to innovation and creative solutions being found to bring about progress more quickly”,

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