Sobre Arte e Percepção Contemporânea: os conceitos de contemplação, interação e interatividade

artigos Edição 37

On Contemporary Art and Perception: the concepts of contemplation, interaction and interactivity

RIZOLLI, Marcos. Sobre Arte e Percepção Contemporânea: os conceitos de contemplação, interação e interatividade. In: Aguarrás, vol. 8, n. 37. ISSN 1980-7767. São Paulo: Uva Limão, JAN/JUN 2021. Disponível em: <http://aguarras.com.br/sobre-arte-e-percepcao-contemporanea/>. Acesso em: [current_date format=d/m/Y].

Abstract—The contemporary artistic phenomenon has been demanding from the viewing public a radical change in its modes of fruition – in front of works of art, artistic objects, multidimensional installations and mediatic complexities. We are, then, in the face with new perceptual approach – which call for new perceptual approaches. Conventional works of art, in traditional museums, suggest a perceptive flow: silence, attention, admiration; eccentric artistic objects, in innovative urban spaces (indoor or outdoor) claim a new perceptive attitude: action, relationship, co-creation; the machinic-digital universe of the new art forms, in dematerialized or virtual environments, demand an instructed relationship between  art and man: the drives, the behaviors decisions, immersion. From these three perceptual spheres, three concepts emerge: contemplation, interaction, and interactivity – which deserve to be discussed, in the light of theories that can approach them both within the circulation of art and in the context of the appropriation of the sense and meanings of Contemporary Art, in broad dimension.

Keywords—contemplation; interaction; interactivity; perception

 

I.      Introdução

A fenomênica artística contemporânea vem exigindo do público expectador uma radical alteração nos seus modos de fruição – diante de obras de arte, objetos artísticos, instalações multidimensionais e complexidades midiáticas.

Estamos, então, diante de novas demandas perceptivas – que solicitam novas aproximações perceptuais.

Obras de arte convencionais, em museus tradicionais, sugerem um fluxo perceptivo: silêncio, atenção, admiração; objetos artísticos excêntricos, em espaços urbanos (indoor ou outdoor) inovadores, reivindicam uma nova atitude perceptiva: ação, relacionamento, co-criação; o universo maquínico e digital das novas formas de arte, em ambientes desmaterializados ou virtuais, demandam uma instruída relação arte-homem: acionamentos, comportamentos decisórios, imersão.

A partir dessas três esferas perceptivas, surgem três conceitos: contemplação, interação e interatividade – que merecem ser discutidos, à luz de teorias que possam abordá-los tanto no âmbito de circulação da arte quanto no âmbito da apropriação dos sentidos e significados da Arte Contemporânea, em ampla dimensão.

 

II.    Contemplação

Ato de concentrar longamente a vista, a atenção em algo. Profunda aplicação da mente em abstrações; meditação, reflexão.

O exercício do silêncio, da atenção e da admiração.

Quando contemplamos uma obra de arte, adotamos uma atitude quase que sagrada, que nos remete aos sentimentos de maravilhamento. De algum modo, sabemos estar diante do gênio criador e do empenho criativo exercido pelos artistas[1]; das habilidades técnicas e dos domínios dos materiais e dos processos de produção de linguagem; de imagens de beleza que traduzem ordem, razão e emoção, objetividade e subjetividade.

Fig. 1. Crianças visitando um museu, em atitude contemplativa.
Fig. 1. Crianças visitando um museu, em atitude contemplativa. [fonte]
Na contemplação, o tempo de fruição da arte parece ser anulado. A existência se torna um ato eminentemente visual. Uma percepção emoldurada pela revelação de: figuras e cenários; formas e cores; estruturas compositivas.  Na contemplação, estamos aptos ao reconhecimento de temas, gêneros, assuntos, argumentos – histórica e culturalmente construídos pela humanidade.

As obras de arte mais convencionais – os clássicos – estabelecem um modo de apreensão poética percepto-cerebral: intuímos que, antes de nos depararmos com a imagem, esteve diante do artista um modelo perceptível: uma pessoa, posando para um retrato ou um modelo vivo, posando nu para uma cena intimista ou objetos aplicadamente organizados pelo artista em alguma bancada ou, ainda, uma paisagem se descortinando diante dos olhos do artista – uma cena de jardins floridos, de vales e montanhas, de águas, ondas e barcos.

Que diante de tudo isso, seguindo seu guia interior, o artista se apropriou mentalmente dos dados do real para, com talento expressivo, produzir a obra de arte – uma pintura, um desenho, uma escultura…

Assim, quer seja por representação figurativa naturalista (e também realista) ou interpretativa (pelos valores da geometrização ou da deformação) ou por abstração formal (geométrica) ou informal (cromático-gestual) nos atos contemplativos sempre estaremos diante do sublime. Seja ele algo distanciado – mítico ou religioso – ou muito aproximado – as coisas do cotidiano.

Fig. 2. Leonardo da Vinci, Monalisa, Óleo sobre Madeira, 1503-6.

Para uma melhor compreensão do que é a percepção contemplativa podemos adotar como exemplo de encontro com o sublime a Monalisa de Leonardo – pintura máxima do renascimento italiano e obra-prima da arte universal.

A pintura de pequenas dimensões, produzida em óleo sobre madeira, consegue reter toda a genialidade do mestre do chiaroscuro. A composição triangular, a frontalidade da figura, a postura das mãos, o sorriso contido e o olhar interessado conferem o tom da singeleza. Soma-se à isso a luminosidade e o efeito de espacialidade – dados na relação entre a figura e seu cenário.

Bem, assim é a contemplação: a percepção atenta ao admirável.

 

III.   Interação

Influência mútua de órgãos ou organismos inter-relacionados; ação mútua ou compartilhada entre dois ou mais corpos ou sujeitos.

Comunicação entre pessoas que convivem; diálogo, trato, contato.

Os novos processos relacionais da arte contemporânea exigiram do grande público outros e surpreendentes comportamentos perceptivos. A percepção interacionista desperta a ação. O contato com o objeto artístico é vital.

 

Fig. 3. Menina interagindo com um Quadro-caixa. [fonte]

Nos referimos, aqui, às novas formas de interação entre obra de arte (cujas materialidades, técnicas, dimensões e estruturas não são mais subsidiadas por imagens) e o público – que não mais somente visita museus, percorrendo suas galerias, em busca de obras de arte em que (diante delas) seja possível atualizar a contemplação.

Então, nos deparamos com modos perceptivos multidimensionais: a interação.

Nesse universo relacional, a obra de arte deixa de ser um objeto que encerra em sua fisicalidade uma imagem disposta à contemplação. A nova fenomênica artística investe em objetos artísticos excêntricos, em espaços urbanos (indoor ou outdoor) inovadores, reivindicam uma nova atitude perceptiva: ação, relacionamento, co-criação.

Um significativo exemplo de obra de arte que nos induz à iteração é a Performance Divisor, da artista brasileira Lygia Pape.

Pioneira na proposição de estados de interação entre arte e público, já nos anos 1950, Lygia Pape questionava o caráter objetual da arte e criava experiências que ressaltavam o processo e o conceito da obra. Mantinha um entendimento da arte que incluía, além do raciocínio, a sensibilidade, a criatividade e a participação. Passou a integrar e reconfigurar as percepções e os movimentos cotidianos, misturando linguagens para levá-las ao mundo como narrativa aberta

 

Fig. 4. Lygia Pape, Divisor, Performance, 1968. [fonte]

Em 1968, Lygia Pape encomendou a confecção de um enorme tecido branco com vários cortes-orifícios por onde as pessoas (o seu público convidado) poderiam inserir suas cabeças para, em movimentos coletivamente combinados, usá-lo ludicamente.

Cada corpo imerso e cada cabeça emersa ocupou seu espaço, unindo todos os participantes.

O tecido repousou sobre os ombros, isolando da vista dos participantes a coreografia improvisada que executavam. Quem estava dentro via apenas as cabeças dos outros e as dobras no tecido, combinadas às sombras em movimento. De fora, vislumbrava-se um oceano de pessoas em trânsito: individualidades que se afirmam pelo destaque dos rostos, mas cuja caminhada resulta de uma negociação coletiva[2].

Das ações individuais, em reunião, surgiu uma coreografia de movimentos – todos os corpos dinamizaram um novo organismo, que lhes tomou por empréstimo suas energias vitais. O Divisor, tornou-se, por interação, uma obra de arte pulsante.

 

IV.   Interatividade

Qualidade de interativo.

Capacidade de um sistema de comunicação ou equipamento de possibilitar interação.

Estamos inseridos no universo maquínico, determinado pela decisiva participação de sofisticados equipamentos pós-mecânicos aptos para combinar suas inteligências artificiais a expressão artística – território exclusivamente humano.

O universo maquínico-digital das novas formas de arte – em ambientes desmaterializados ou virtuais – demandam uma instruída relação arte-homem: acionamentos, comportamentos decisórios, imersão.

 

Figura 5. Rapaz utilizando equipamentos para interatividade. [fonte]

Interatividade é um conceito que, geralmente, está associado à novas tecnologias de comunicação. Pode ser definida como a potente habilidade que o meio maquínico-comunicacional tem para absorver as influências determinadas pelo público (aqui, considerado usuário). Bem assim: o usuário, ao interagir com o equipamento, dispositivo, ou aparelho, decide os elementos de mediação – tornando-se co-autor de imagens ou narrativas multidimensionais.

Se a interatividade é um conceito quase sempre associado às novas mídias, há nele uma perspectiva sociológica. O modelo perceptivo da interatividade determina a paridade entre artista-arte-púbico, tornando essa tríade relacional um dos mais flagrantes atributos da arte contemporânea – com acento tecnologicamente avançado. Homem e máquina (o novo organismo da arte) adaptam, mutuamente, seus comportamentos e ações.

Esse termo perceptivo deve ser considerado para além da sua dimensão comunicativa. Assim: interatividade não é somente uma troca de comunicação, mas também geração de conteúdo […a] interatividade pode ser abordada como sendo um atributo da tecnologia[3].

Consequentemente, o foco relacional está nas propriedades do design de interface e usabilidade, para garantir: potencial comunicativo; complexidade de informação decisória; esforço sensorial e mental. A percepção interativa exige: flexibilidade e sincronismo, senso de espacialidade, controle perceptivo, responsividade e consciência do propósito da comunicação[4].

A interatividade, contudo, existe nas vias da comunicação mediada por máquinas de alta tecnologia, em dimensão perceptiva. Conceitualmente: a natureza da comunicação interpessoal. Operacionalmente: a ativação sensorial.

Nas esferas interativas da arte contemporânea, um artista merece destaque: o argentino Julio Le Parc. E, será ele o nosso bom exemplo demonstrativo da interatividade nas artes,

 

Fig. 6. Julio Le Parc, Instalação cinética com luz, 2013.

 

Depois da juventude vivida em Buenos Aires se transferiu para Paris. Na cidade luz – não por acaso – foi membro fundador do Groupe de Recherche d’Art Visual, que tinha como estratégia coletiva delegar o ato criativo ao espectador. O grupo defendia que a arte desempenhasse um papel mais amplo e ativo na sociedade.

Na década de 1960, Le Parc investiu em experiências com a luz – já em dimensão interativa.

Na década seguinte, continuou a empregar a luz em estruturas cinéticas – tendência artística em que a variada progressão de formas gera o efeito perceptivo de movimento.

Na atualidade, sua arte tem merecido grande atenção de público e crítica: seu renovado interesse pela luz, irreversivelmente comprometido com a arte imersiva e interativa.

 

V.    Conclusão

Assim, os três argumentos perceptivos – Contemplação, Interação e Interatividade – se apresentam por suas naturezas orgânicas como sistemas percepto-cerebrais. São modelos de apreensão dos dados da vida e da existência humana. Seus aspectos sensoriais avançam como elementos metodológicos – afinal, como é que historicamente percebemos o mundo e como dele nos apropriamos.

E mais: de que maneiras artistas oferecem suas expressões (visões de mundo) para conosco compartilhar suas visões de mundo – produzindo imagens, nos convidando à contemplação; construindo objetos situacionais, nos instigando à interação; desvendando sofisticadas máquinas e seus efeitos de comunicação, nos convidando à interatividade.

Se os três argumentos, de algum modo, configuram-se na linha do tempo, na contemporaneidade artística co-existem e são complementares, em suas multidensionalidades.

 

 

Referências

[1] M. RIZOLLI. Artista – Cultura – Linguagem. Campinas: Akademika, 2010. pp. 36.

[2] L. PAPE In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa950/lygia-pape>.

[3] S.S. SUNDAR. Theorizing interactivity’s effects. In: The Information Society. vol. 5. n° 20, 2004. pp. 385–389.

[4] New Media & Society. vol. 2. SAGE Publications, 2000. pp. 157-179.

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