Expressões artísticas no Paraguai: O passado presente na história

artigos Edição 38

Artistic expressions in Paraguay: The past present in history

Expresiones artísticas en Paraguay: el pasado presente en la historia

CASTRO, Emma Erben de. Expressões artísticas no Paraguai: O passado presente na história. In: Aguarrás, vol. 8, n. 38. ISSN 1980-7767. São Paulo: Uva Limão, JUL/DEZ 2021. Disponível em: <https://aguarras.com.br/paraguai/>. Acesso em: [current_date format=d/m/Y].

Resumo

A maior parte das expressões artísticas paraguaias podem ser consideradas tradicionais, pois mesmo tendo influência estrangeira, foram grandemente impactadas pelas tradições indígenas, camponesas e pelos importantes eventos históricos que marcaram profundamente o Paraguai, principalmente as duas guerras enfrentadas com os países vizinhos. Sendo o primeiro conflito, datado em 1865 a 1870, envolvendo o Brasil, Argentina e Uruguai, conhecido como “A Guerra Grande”, e o segundo, denominado como “A Guerra do Chaco”, nos anos de 1932 a 1935, contra a Bolívia. Sem se esquecer, de uma terrível guerra civil em 1947, seguida da mais longa ditadura da América do Sul, de 1955 a 1989.

Especialmente na música popular, há acentuadas expressões do sofrimento causado pelos conflitos armados. A dança paraguaia, na sua coreografia traz representações de um passado triste, lembra as mulheres descalças que carregavam água na cabeça e produtos para comercializar, mas também há uma forte manifestação do heroísmo na reconstrução do país e expressões de sedução e conquista. O objeto desta pesquisa é refletir sobre as diferentes manifestações artísticas que provocam um diálogo do passado com o presente, por meio de pesquisa bibliográfica e entrevista. Bem como, ressaltar a produção do artista visual Héctor Zárate.

Palavras-chave: Música. Dança. Guerra. Tradição. Coreografia.

 

Resumen

La mayor parte de las expresiones artísticas paraguayas pueden ser consideradas tradicionales, pues aún teniendo influencia extranjera, tiene gran impacto de las tradiciones indígenas, campesinas y de los importantes eventos históricos que marcaron profundamente el país, principalmente las dos guerras enfrentadas con los países vecinos, una de 1865 a 1870, enfrentando o Brasil, Argentina y Uruguay, conocida como “La Guerra Grande” y la otra de 1932 a 1935, con a Bolivia, guerra conocida como “La Guerra del Chaco”. Sin olvidar también de una terrible guerra civil en 1947, seguida de la mas larga dictadura da América do Sul, de 1955 a 1989.

Especialmente en la música popular, hay acentuada expresiones de sufrimiento causado por los conflictos armados. A danza paraguaya, en su coreografía trae representaciones de un pasado de tristeza, recuerda a las mujeres descalzas que llevaban agua en la cabeza y productos para comercializar, pero también hay una fuerte manifestación de heroísmo en la reconstrucción del país y expresiones de seducción y conquista. El objeto de esta investigación es reflexionar sobre las diferentes manifestaciones artísticas que provoca un dialogo del pasado con el presente, por medio de la investigación bibliográfica y entrevista.  Resalta la producción del artista visual Héctor Zárate.

Palabras claves: Música; Danza; Guerra; Tradición; Coreografía.

 

Introdução

Paraguai, país situado no “coração” da América do Sul, reflete nas suas manifestações artísticas as expressões de um povo destemido, guerreiro, batalhador, que possui grande orgulho das suas raízes, origem, cultura, costumes e não se intimida diante das potências mundiais, mesmo consciente da sua situação de desvantagem no desenvolvimento socioeconômico. O país tem superado com muita garra e esforço, as limitações e problemas enfrentados pela condição na qual se vê submergida. Possui um povo que sente o brio de ter enfrentado duas grandes guerras, que por pouco não dizimou a população. As mulheres tiveram um protagonismo importantíssimo na reconstrução do país, desenvolvendo tarefas pesadas na ausência de homens.

A primeira guerra, que marca profundamente a história do país e repercute até os dias de hoje as suas consequências, foi a conhecida Guerra da Tríplice Aliança, o maior conflito bélico que aconteceu na América Latina, no século XIX, quando três países, Brasil, Argentina e Uruguai se uniram no combate contra o Paraguai, guerra que durou cinco anos, de 1865 a 1870. O segundo enfrentamento bélico ocorreu com a Bolívia. A guerra durou de 1932 a 1935, deixando o país desolado, novamente, mas com esperança e uma grande motivação de um novo recomeço, pois a sensação de vitória, por não terem sido exterminados e terem reconquistado o território, motivo do último conflito, encheu a alma de coragem e disposição.

O sentimento nacionalista paraguaio construído ao longo da sua história de lutas, derrotas e conquistas, estão presentes nas mais diferentes expressões artísticas que vão da música, dança, poesia, teatro, às esculturas ao ar livre, murais em afresco, artesanatos e outros. Alegria, sossego, religiosidade, tradição, patriotismo, transmissão oral de lendas e contos, e as lembranças das conquistas heroicas, são características de marcas identitárias, das quais se refletem nas mais distintas manifestações culturais e artísticas.

As expressões artísticas se misturam com as memórias históricas, que reportam a épocas de um passado latente, transmitidas oralmente nos núcleos familiares e círculos de amizades. Desculpa para os longos bate-papos são as rodas de tererê (chimarrão gelado) ou mate (chimarrão).

Para falar de cultura e suas manifestações é importante lembrar o que Laraia (2001) disse:

O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura. (LARAIA, 2001, p.36).

De acordo com Laraia, os padrões culturais não são autóctones, pois há uma difusão entre os povos o que dá lugar à evolução do ser humano.

Não resta dúvida que grande parte dos padrões culturais de um dado sistema não foram criados por um processo autóctone, foram copiados de outros sistemas culturais. A esses empréstimos culturais a antropologia denomina difusão. Os antropólogos estão convencidos de que, sem a difusão, não seria possível o grande desenvolvimento atual da humanidade. Nas primeiras décadas do século XX, duas escolas antropológicas (uma inglesa, outra alemã̃), denominadas difusionistas, tentaram analisar esse processo. O erro de ambas foi o de superestimar a importância da difusão, mais flagrante no caso do difusionismo inglês que advogava a tese de que todo o processo de difusão originou-se no velho Egito. (LARAIA, 2001, p.54).

A arte, nas suas diferentes expressões, reflete o pensamento, as experiências, as vivências, a cosmovisão, permitindo a espontaneidade, a liberdade de criação e de imaginação. Berger, no documentário Ways of Seeing (1972)[1], afirma que o olhar do artista e o olhar do espectador não são espontâneos ou naturais. De acordo com o crítico de arte inglês, o processo de visualização de qualquer coisa é menos espontâneo ou natural do que tendemos a crer. Uma grande parte do ato de ver depende do hábito e da cosmovisão.  Depende da perspectiva. A perspectiva faz do olho o centro do mundo visível.

Ao olharmos para a arte, é necessário entender que não há somente uma interpretação ou uma perspectiva “correta”, ela é um meio que nos faz refletir e compreender realidades distintas, muitas vezes estranhas aos nossos próprios olhares.

Principais categorias artísticas no Paraguai

A música

No Paraguai, existem dois principais gêneros musicais tradicionais, a Polca Paraguaia, e a Guarânia.  O criador da guarânia, um ritmo mais lento, comparado à polca, e mais melancólico, foi o músico paraguaio José Asunción Flores, em 1925, que em parceria com o poeta paraguaio Manuel Ortiz Guerreiro tornaram várias músicas conhecidas, a nível nacional e internacional, entre elas a música “Inida”, que foi composta através da parceria dos dois artistas, letra de Manuel Ortiz Guerreiro e música de José Asunción Flores. Entre os principais representantes da guarânia também estão: Herminio Giménez, Mauricio Cardozo Ocampo e Demetrio Ortiz.

O Paraguai é um país bilíngue, pois 80% da população fala as duas línguas, o guarani, idioma dos nativos da região e o espanhol, língua dos colonizadores. Uma grande parte da população acaba misturando as duas línguas, dependendo do contexto e das expressões que desejam comunicar. Estas duas línguas e culturas, também são apreciadas nas diferentes formas de expressões artísticas.

Nesses gêneros musicais podem ser observados o uso das duas línguas, o espanhol e o guarani. O uso dessas duas línguas na comunicação é conhecido como “jopará” que significa “mistura”. As expressões de sentimentos profundos geralmente são expressados em guarani.

Principalmente nas letras das músicas em guarani podem ser observadas as mais profundas expressões de sentimentos pela família, o amor, as despedidas, e saudades, ao desterro, figuras religiosas como “Maria a mãe de Deus” e inúmeras canções que remetem às batalhas travadas na guerra. Estes sentimentos expressos através da música, permeiam as composições criadas, principalmente no período pós guerra e permanecem na memória do povo até os dias de hoje.

A seguir, estão alguns versos de uma das músicas muito valorizada na cultura paraguaia, por fazer uma narrativa poética da experiência vivida em uma das principais batalhas no Paraguai, que marcou a vitória da guerra contra a Bolívia.

A canção 13 Tujuti[2], de 8 estrofes e 12 versos, é de letra e música de Emiliano R. Fernandes, que também participou da Guerra do Chaco. Ele formou parte do 1º Batalhão do Regimento 13 Tujuti.  Essa música expressa na sua poesia o sentimento aguerrido do povo, da “Raça heroica Guarani”. Uma das missões de Emiliano, durante a guerra, era levantar o ânimo a e ousadia dos soldados para não desanimarem.

 

13 TUJUTI (Guarani) 13 TUJUTI (Español)[3]
Natahupimí mano a la visera

ha tambojojá che mbarakami

Amongaraivo NANAWA trinchera

Taropuraheí 13 Tuyuti

 

Ha ropuraheita Regimiento 13

Nanawa de Gloria jeroviahaite

Ha ityvyra’i, Regimiento 7

La muralla viva mopu’ã haré

 

Ro’atamahágui tesaraietepe

Peteĩ ko’ẽme roñeñanduka

Rohejá haguã ore ra’yrepe

Pedestal de gloria oma’ẽ haguã

 

Ore avei paraguaietéva

Soldado ja’éramo urunde’ymi

Ndahaevoínte rojealavaséva

Ndoróikotevéi ñererochichĩ!

 

Comando Irrazabal hendive Brizuela

Mokoĩvé voí añá mbaraká

Ha el León Chaqueño ijykere kuera

Mayor Caballero ore ruvichá

 

Cachorro de tigre suele ser overo

Macho ra’y ré machito jey

Oimé ikuatiápe 20 de enero

Pe neñengatú peẽ mbohapy

 

Oimeva’era ku ore raperame ore ra’aro

Laurel ty pyahu

Ojupi hagua umiva ru’ame

Regimiento 13 oñekua mbopu

 

Kunt que oimo’ane rakã’e ijupero

Ojuhuta ápe piré pererĩ

Oje po joka Gringo tuja vyro

Nanawa rokeme ojosovo itĩ

 

Tuguy etá apytépe oú la victoria

Regimiento 13 pe opukavymí

Ko’aga ikatuma he’í la historia

Ndopá mo’áiha raza Guaraní

Al saludar con mano a la visera

Me pongo a afinar la guitarra

Para bendecir a la trinchera de Nanawa
Y a mi Regimiento 13 Tujuti.

 

Me pondré a cantar al Regimento 13,

Nanawa de Gloria que es mi esperanza

Y su pequeño camarada, el Regimiento 7

El artífice de la Muralla Viva.

 

Justo a punto de caer en el olvido

Una mañana nos dimos a conocer

Para así dejar a nuestros descendientes

Pedestal de Gloria hacia el cual mirar.

 

Nosotros, soldados paraguayos,

Fuertes como el árbol de Urunde’y

No es por andar presumiendo

Pero no necesitamos tantos elogios.

 

Comandante Irrazabal, con Brisuela

Ambos intrépidos y con mucho brío

Y a su lado el León chaqueño

Mayor Caballero, nuestro gran líder

 

Cachorro de tigre suele ser overo

Hijo de valiente, valiente ha de ser

Así queda escrito en la historia

Aquel 20 de enero protegiendo a los tres.

 

En vano pretenden cobardes bolivianos

Llegar al Rio Paraguay

En su camino se halla un aguijón venenoso

El Regimiento 13, avispero mortal

 

Kunt pensaba al principio que seria fácil

Y que aquí encontraría hombres débiles

Ya frotándose las manos y sin advertir

Chocó con la imbatible muralla de Nanawa.

 

De modo muy sangriento llegó victoria

El Regimiento 13 se regocijó,

Ahora ya puede decir la historia

que no acabará La Raza Guaraní

 

Pela proximidade territorial, há muita influência cultural entre os países vizinhos, especialmente nas regiões de fronteira do Brasil e Paraguai. De acordo com estudos realizados por Evando Higa, as guarânias e as polcas foram introduzidas no Brasil nas décadas de 40 e 50, como relata:

As guarânias paraguaias foram introduzidas no contexto da música sertaneja brasileira durante os anos 40 e 50 do século XX e alcançaram grande sucesso de público. Músicos brasileiros como Raul Torres, Mário Zan, Nhô Pai e outros, compuseram guarânias em língua portuguesa as quais às vezes eram classificadas como “rasqueado”. Esse termo pode significar a técnica específica de se tocar o violão ou o resultado da combinação das estruturas rítmicas das guarânias paraguaias com as toadas e modas de viola brasileiras. Os rasqueados, bem como as polcas paraguaias, guarânias e chamamés, estão presentes no Estado de Mato Grosso do Sul, na fronteira entre Brasil e Paraguai,como suas principais manifestações culturais. (HIGA, 2008, p.1).

Orquestra de instrumentos reciclados

Cateura é um lixão, onde são depositados os resíduos da cidade de Asunssão e das cidades vizinhas. Muitos catadores de lixo retiram o seu sustento deste lugar. O professor de música e engenheiro em ecologia humana, Flávio Cháves, viu naquele lixão uma possibilidade de converter o lixo em instrumentos musicais. Fez parcerias importantes como o maestro Luis Szaran, e com o artesão, Nicolas Gomez, morador da região, próximo ao lixão de Cateura e outros. Juntos começaram a fabricar instrumentos musicais dos materiais retirados do lixão de Cateura e criaram uma escola de música para assistir à população moradora da região, principalmente as crianças e jovens, dando assim a oportunidade de conhecer o universo musical.

Os instrumentos fabricados imitam o som de violão, contrabaixos, violas, violinos, violoncelos, saxofones, flautas, trompetes, tambores, trompetes e diferentes instrumentos de percussão.

Com o lema: “El mundo nos envia basura, nosotros lo devolveos em música” (O mundo nos manda lixo, e nós o devolvemos em música), a escola de música formada por Cháves e sua equipe, começou a ganhar visibilidade e repercussão em 2012 e começaram a se apresentar nacional e internacionalmente. Se apresentaram em vários países da América Latina, Europa, Oriente Médio e até na Ásia.

Na sua apresentação em Corumbá – MS, no 15º Festival América do Sul Pantanal, 2019, o professor de música e maestro da Orquestra, Flávio Cháves, começou falando: “Pedimos desculpas por trazermos um pouco do lixo do Paraguai, mas esperamos que este som do lixo seja agradável para vocês”. Acerca desta apresentação, o site de notícias do Mato grosso do Sul, Tereré News[4], publicou:

A orquestra trouxe para o público do Festival um repertório escolhido especialmente para a ocasião, com “músicas dos países unidos por esse rio maravilhoso, que é o Rio Paraguai”. A plateia pôde se deliciar com Tico-Tico no Fubá, do brasileiro Zequinha de Abreu, interpretada com solo de uma flauta feita com cano de água; tangos de Astor Piazzolla e Carlos Gardel, da Argentina, que uma das solistas interpretou com um violino feito com lata de tinta, e como não poderia faltar, o clássico paraguaio Galopeira, de Mauricio Cardoso Ocampo. (TERERÉ NEWS, 2019).

 

Figura 1 – Orquestra de Instrumentos Reciclados De Cateura.[5]

 

A dança

Entre as expressões artísticas, a dança ocupa um lugar muito importante nas manifestações populares. Há várias academias onde são formados grupos de dança paraguaia. Este gênero de dança é uma adaptação do ballet, trazido pelos colonizadores e os elementos culturais incorporados nas coreografias, como a garrafa ou o cântaro na cabeça, longas tranças, a blusa típica de “ao po’í” (uma tecelagem típica), saias cumpridas, colares e enfeites no cabelo. Os homens usam calças, do tipo bombacha escura, camisa branca, lenço no pescoço e chapéu de palha. Os pés descalços. Essas danças são apresentadas em eventos festivos, sejam em datas comemorativas, festas pátrias, celebrações populares e até familiares.

Para conhecer melhor a origem dessa dança, Rivarola, explica como era a dança primitiva na América Latina, praticada pelos índios nativos, que faziam rodas de dança na terra ao céu descoberto:

En Latinoamérica, en general, y en nuestro país, en particular, la danza es una forma de arte que hace parte al total de la vida cotidiana como experiencia de rito o de celebración. Las raíces de la danza se encuentran en los pueblos originarios. En un principio, la danza en Latinoamérica no fue danza de salón, fue danza de la tierra y a cielo descubierto. (RIVAROLA, 2012, p. 140).

Alguns estrangeiros que visitavam ou moraram por algum tempo no Paraguai, nos anos de 1870, registraram características da vida cotidiana das pessoas e dos costumes que eram observados, como o hábito das mulheres de carregarem objetos como trouxas, cestos com frutas e legumes para comercializar, cântaro de argila cheio de água, como também garrafas de vidro com bebidas alcoólicas que seriam vendidos. O detalhe observado era a elegância das mulheres que mesmo descalças, mas com a roupa geralmente branca, simples, bem limpa e bordada caminhavam de forma glamorosa pelas ruas. Aponde (2018), cita o relata do cidadão inglês Jorge Federico Masterman (1870), acerca da vestimenta da mulher paraguaia e suas observações:

El vestido de las mujeres, aunque sencillo es muy gracioso. Forman su toilete, una larga camisa de algodón, llamada tupoi, que llega apenas al cuello, con una ancha faja de lana negra o escarlata bordada, y cosida a la extremidad superior, unas mangas sueltas de malla, y faldillos de muselina o seda, abultados como si fueran forrados en crinolina, por la cantidad de almidón que llevan las enaguas, y aseguradas a la cintura por una ancha faja. Excepto en la capital muy pocas andaban calzadas. Su tocado consiste en dos largas trenzas que, a veces circundan la cabeza en forma de guirnaldas y otras caen sueltas sobre los hombros, aseguradas con un enorme peine de carey engastado con oro y piedras preciosas. Bastaba para completar su muy bonito tocado una rosa, o una pluma suave y sedosa, lánguida y coquetamente colocada. En días de fiesta ostentaban sarcillos de excesivo tamaño, trabajados en el país y tan largos que descansaban en los hombros, uno o dos collares de oro macizo y sortijas suficientes para tapar todos los dedos de la mano. (apud APONTE, 2018, p.9).

Aponte (2018), também relata que desde cedo as meninas também praticavam o costume de transportar objetos na cabeça, até garrafas de vinho, adquirindo assim a habilidade de equilibrar esses objetos, o que deu origem à dança paraguaia com a garrafa na cabeça, que se tornou muito popular e uma das habilidades muito reconhecida das mulheres paraguaias.

 

Figura 2 – Dança paraguaia com Garrafas.[6]

 

Esculturas em madeira e cerâmica

É muito comum encontrar no Paraguai cerâmicas utilitárias, decorativas ou escultóricas. Elas são fabricadas principalmente na cidade de Itá e Tobatí, a 70 km da capital, Asunssão. A cidade de Altos, a 50 km de Asunssão, se caracteriza pela fabricação de máscaras de cerâmica, obras variadas entalhadas em madeira. As cidades de Capiatá, a 20 km de Asunssão e Aregua, a 30 km da capital, se caracterizam pela fabricação de Santaria policromada, objeto de valor religioso para a Igreja Católica Apostólica Romana.

Figura 3 – Rosa Britez, Ceramista de América.[7]

 

Pintura de murais e arabesco

O artista Alejando Lavand Hijo, (1936-2019), deixou plasmada suas obras em importantes espaços públicos da capital do país, Asunción e na cidade de Concepción, onde fez o mural em relevo com afresco na praça Agustin Fernando de Pinedo, um memorial da fundação da cidade e outro representando os avanços das obras de infraestrutura no país. Bem como, uma escultura de Maria Auxiliadora, patrona da cidade.

 

Figura 4 – Fundação de Concepción e avanços de infraestrutura no país. Foto: Paloma Ortiz.[8]

 

Figura 5 – Monumento de Maria Auxiliadora[9].

 

Héctor Zárate, o artista visual paraguaio

No mundo contemporâneo há uma valorização muito grande da cultura da visualização e Flusser (2011), explica:

As superfícies que nos cercam resplandecem em cor, sobretudo porque irradiam mensagens. A maioria das mensagens que nos informam a respeito do mundo e da nossa situação nele é atualmente irradiada pelas superfícies que nos cercam. […] São as superfícies, e não mais as linhas textuais, que codificam preferencialmente nosso mundo. No passado recente, o mundo codificado era dominado pelos códigos lineares dos textos, e atualmente o é pelo código bidimensional das superfícies. Planos como fotografias, telas de cinema e da TV, vidros das vitrines tornaram-se os portadores das informações que nos programam. São as imagens, e não mais os textos, que são os media dominantes. Poderosa contrarrevolução de imagens contra textos está se processando. (FLUSSER, 2011, p. 113).

Entre os vários artistas visuais do Paraguai, destacamos um dos mais proeminentes, Héctor Zárate, artista visual contemporâneo, reconhecido pelos seus trabalhos e pela divulgação da arte paraguaia, tanto no seu país, como fora dele. Ele foi o único a receber o prêmio “Quadro de Ouro”, oferecido pelo governo paraguaio.

Em uma entrevista concedida no dia 1 de novembro de 2021, por telefone, para realização desse artigo, ele contou sobre sua trajetória como artista e destacou: “En vez de um fuzil, tengo um pincel” (Ao invés de um fuzil tenho um pincel). Dessa entrevista, também ressalta-se outras falas do artista em relação seu trabalho e obra, encontradas a seguir.

Héctor Zárate nasceu no dia 20 de janeiro de 1954, em Assunção, capital do Paraguai.  É filho de Esteban Zárate, artista visual, e Valentina Ramirez, ceramista. Seu pai era reconhecido na sua geração como um dos artistas mais destacados do país, junto com Júlio Correa, poeta paraguaio e fundador do teatro em guarani, com quem mantinha uma relação de amizade muito profunda. Assinava nas suas obras como E. Zárate. Foi um dos membros do Ateneo Paraguaio de Asunção, fundado em 28 de julho de 1883, sendo a mais antiga e célebre escola de Belas Artes do Paraguai.

O contato do Héctor Zárate com a arte visual se deu desde muito cedo, aos cinco anos de idade, já havia ganhado um concurso de arte na escola, mostrando assim sua sensibilidade e habilidade em se expressar e se comunicar por meio das expressões artísticas. No ateliê da família, onde desde sua tenra infância, com 8 anos, ajudava seu pai, já começou a aprender a lidar com as cores, a pintura, os pincéis e a se impactar com a beleza de cada obra finalizada.

Na sua juventude, ao terminar o colégio, onde foi condecorado como melhor egresso da sua promoção, no Colégio Cambidge de Asunssão, no ano 1975. A sua preocupação era “como viver da sua arte”, pois era aquilo que mais gostava de fazer, num país que estava ressurgindo das cinzas, o que o levou a tentar a carreira de medicina em Uberaba, MG, e em Sucre, Bolívia, tentativas abortadas por várias circunstâncias. Em seguida, tentou engenharia, agronomia, ciências jurídicas e diplomacia, mas a sua chama artística sempre gritou mais alto, até que entendeu a sua vocação, seu talento e fez da sua arte sua companheira de vida, junto com a sua esposa.

Zárate desenvolveu seu estilo próprio e genuíno. Em uma das suas exposições, na cidade de Natal, RN, em 1997, o curador Dorian Gray, disse: “Nos visita o poetas das cores do Paraguai”.

Nas suas obras destaca-se o paisagismo e as figuras femininas, reivindicando o protagonismo das mulheres paraguaias, que com seu esforço e trabalho reconstruíram o país. Sua temática transita entre figuras humanas, costumes, vivência, a origem camponesa, impregnando na tela as cores da sua inspiração. Também transita entre os diferentes estilos, que vão do Impressionismo ao Fauvismo. Ele é o único miniaturista no Paraguai, destaca-se entre suas obras, um quadro que mede 5mm x 5mm.

Suas milhares de obras realizadas ao longo da sua vida estão espalhadas pelo Paraguai e pelo mundo. Além de se iniciar no campo artístico com seu pai, também recebeu a influência dos professores Livio Abramo e Edith Jiménez, entre outros importantes artistas que o ajudaram a aperfeiçoar seu talento e a encontrar seu estilo próprio de narrativa visual por meio do pincel e das cores. Apaixonado pela vida, família, amigos e pela pátria, ele fez da sua arte um meio de homenagear e perpetuar suas paixões.

Durante sua trajetória de vida, teve seus trabalhos expostos no Brasil, em São Paulo, Natal e Curitiba. Também viajou para Europa expondo seus trabalhos na Espanha, França, Itália, Alemanha e Suíça. Sempre viajou representando dignamente o Paraguai. Nos lugares por onde passou, sempre deixou ótimas expressões de admiração e reconhecimento pelo seu trabalho. As embaixadas paraguaias o receberam e acolheram com muita honra, pois por meio da sua arte ele também dava a conhecer um pouco do seu país.

Apesar das dificuldades que é viver da arte, ele e sua esposa se sustentam da comercialização de suas obras. Estima-se, que já venderam mais de um milhão de quadros. “Viver da Arte, no meu país, é um grande desafio, pois há uma defasagem econômica e cultural que repercute em todos os âmbitos do desenvolvimento humano.  Em um país subdesenvolvido, faltam muitas coisas. Repetidas vezes enfrento situações onde alguém me vê pintando e me disse: ‘É só isso que você faz?’ (risos). Viver da arte é ser realmente um artista.”, explicou.

Recebeu várias menções de reconhecimento, entre elas, “O Grande Prêmio Oscar Trinidad” em 17 de dezembro de 1998, oferecido pelo Vice Ministério de Cultura. No mesmo dia, Zárate também recebeu o “Quadro de Ouro”, oferecido pelo governo paraguaio, em reconhecimento ao seu valioso e fecundo labor em prol da difusão nacional e internacional da arte paraguaia.

 

Figura 6 – Héctor Zárate, “Quadro de Ouro”, ano, tamanho, técnica utilizada.[10]

De acordo com Zárate, infelizmente, a arte no Paraguai atualmente não tem ganhado o destaque, a valorização, o incentivo e o apoio, necessários para seu aperfeiçoamento e assim se fazer presente no cenário nacional e internacional, o que considera uma tarefa ainda pendente.

 

Considerações finais

Este artigo traz uma pequena amostra de algumas manifestações artísticas culturais do Paraguai, como também algumas representações das riquezas artísticas que são produzidas no país, mas ainda pouco divulgadas e incentivadas.

Perceber o uso que a humanidade está dando à imagem em suas diferentes expressões, pode levar a uma reflexão sobre os diferentes aspectos do cotidiano,  mas também reforça a importância de perceber questões culturais e de identidade que podem ser transmitidas e compartilhadas,  valorizando as características culturais que encerram uma riqueza única, transmitida de geração a geração por meio da Arte.

 

Referências

A guarânia, ritmo musical nascido no Paraguai, completa 89 anos de existência. Paraguay Teete, 2014. Disponível em: <https://paraguaiteete.wordpress.com /2014/08/26/a-guarania-ritmo-musical-nascido-no-paraguai-completa-89-anos-de-existencia/>. Acesso em: 19 de nov. 2021

APONTE, Maria. Luiza. Historiografía de la danza de las botellas en el paraguay desde sus orígenes hasta la actualidad. San Lorenzo, Paraguay, Universidad Nacional de Asunción, 2018.

Biografías y Vidas: la enciclopedia biográfica em línea, 2004-2021. José Asunción Flores. Disponível em: <https://www.biografiasyvidas.co m/biografia/f/flores_jose_asuncion.htm> Acesso em: 19 de nov. 2021

Embajada de la República del Paraguay ante la República Portuguesa, 2017. Cultura. <https://embaixadadoparaguai.pt/pt-pt/cultura/>.  Acesso em: 15 de out. 2021.

FLUSSER, Vilém. Pós-Historia: vinte instantâneos é um modo de usar. São Paulo: Annnablume, 2011.

HIGA, Evandro. Reflexões sobre a difusão da guarania paraguaia no Brasil no século XX. Artigo apresentado no VIII Congreso de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular Rama Latinoamericana – IASPM-AL, Lima, 2008. Disponível em: <https://www.icgilbertoluizaves.com.br/imagen s/galeriapdf/higa-evandro-reflex-es-sobre-a-difus-o-da-guar-nia-paraguaia-no-brasil-no-s-culo-xx-site-210550.pdf.>. Acesso em: 20 out. 2021.

LARAIA, Roque. Cultura um conceito antropológico. 14 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

Orquesta de reciclados de Cateura, 2014. Disponível em: <https://www.recycledorchestracateura.com/>. Acesso em: 20 de out. 2021.

Paraguai. Teatro. Disponível em: <http://tudosobreparaguai-acjn.blogspot.co m/p/teatro.html>. Acesso em: 10 out. 2021.

RIVAROLA, Tessa. Panorama de las artes en Paraguay. Secretaría Nacional de Cultura. Centro de Investigaciones en Filosofía y Ciencias Humanas (CIF), 2012 Disponível em: <http://www.cultura.gov.py/wp-content/uploads/2012/12/ Panorama-de-las-artes-en-Paraguay-Informe-final_Rivarola.pdf> Acesso em: 21 out. 2021.

WUNSCH, Luana. Orquesta de reciclados de cateura: música que enseña más allá del contexto de la basura. Revista Teias, v. 19, n. 53, p. 198-207, abr./jun. 2018. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias /article/view/33083/25364>. Acesso em: 5 nov. 2021.

 

Anexo A – Depoimentos de curadores acerca Héctor Zárate (divulgados em folder)

Dorian Gray, crítico de arte, artista plástico, escultor, poeta y grabador:

Zárate se presenta desde los cuadros de cavalete a los mini cuadros donde se puede apreciar el rio Paraguay, los árboles fuertes que recuerdan los árboles centenários, la gente simple sub-urbanas y nuestros lapachos nativos e imponentes.

Livio Abramo, professor de artes visuales, grabador, embajador de Brasil em Paraguay:

Este artista persigue em sus pinturas el objetivo de dar la ilusión, de captar la atmósdera. Los paisajes que pinta, no pretenden imitar lo visto, sino mas bien lo sentido por él. Em sus cuadros existen elementos como sus cielos, campinas, rios y paisajes. Em sus formas y colores, hay uma realidade distinta de lo natural, la cual es la realidade del artista. Llegó al dramarismo por la gran fuerza del color y la libertad de su técnica pictórica. Em sus obras existen impressionantes lapachos y chivatos que pueden figurar como características propias de su estilo, este detalle es um test del que muy pocos se salvan. (s/d)

Dr. Japeri Soares de Araujo, Miembro de la Asociación Brasileira de Arte Comisión internacional de Madicina de la Unesco:

Zárate realiza um arte “Fauve”. Explosión de amarillos y rojos que hacen alución de Sud América, America del sol. Tardesita de sueños, donde la creatividad del artista es su arma. Alma de los sueños del Pueblo. Paisaje útil de sueños y delírios.

Esta es la exposición de los ojos y para el alma.(s/d)

Phd. Roberto da Silva em Cíticas de Arte – RN, Brasil:

La naturaleza y el hombre son las fuentes de inspiración para el artista visual em. las telas expuestas em Natal. Em estos trabajos, presenta escenas de la vida cotidiana de los campesinos paraguayos, íntegros y espléndidos paisjes plenos de cocoteros, lapachos amarillos o rosados, cipresses, chivaros, palos borrachos, de todos los embriagante profusión de colores. Sus figuras humanas son chiperas, lavanderas, pescadores, trabajadores em ríos, riachielos y arroyos.

El trazo sensible y preciso de Héctor Zárate, de tal modo atrae nuestro mirar que nos es imposible no sentirnos incorporados a las escenas por él creadas. Llegamos casi a oir el murmullo de las vocês de aquellos campesinos que se saludan, las guaranias entonadas por las lavanderas, los silvidos de las aves, que vuelan sobre el cielo teñido de rojo, amarillo, azul, violeta em uma miscelânea encantadora.

Somos tan plenamente envueltos, por muy poco no sentimos olores y escuchamos ruídos. (s/d)

 

Anexo B – Obras do acervo pessoal de Héctor Zárate (arquivo concedido à autora)

Figura 1 – Héctor Zárate, “Ñasaindy javé”, 2000, 2 x 2 cm, óleo sobre tela.

Figura 2 – Héctor Zárate, “Viejo fumador”, 2000, 5 x 7cm, óleo sobre tela.

Figura 3 – Héctor Zárate, “Vendedoras de chipa”, 2002, 1,5 x 1,5 cm, óleo sobre tela.

Figura 4 – Héctor Zárate, “Tardecita en tajamar chaquenho”, 2013, 10 x 3,5 cm, óleo sobre tela.

Figura 5 – Héctor Zárate, “Burrerita vendedora de frutas”, 2016, 30 x 35 cm, óleo sobre tela.

Figura 6 – Héctor Zárate, “Chivato en flor del lago Ypacaraí”, 2009, 65 x 45 cm, óleo sobre tela.

Figura 7 – Héctor Zárate, “Mujeres”, 2009, 9 x 26 cm, óleo espatulado sobre tela.

Figura 8 – Héctor Zárate, “Cosecha de algodón”, 2015, 25 x 33 cm, óleo sobre tela.

Figura 9 – Héctor Zárate, “Más allá del horizonte”, 2015, 25 x 35 cm, óleo sobre tela.

Figura 10 – Héctor Zárate – “Mujeres laboriosas”, 2009, 4 x 6.5 cm, óleo espatulado sobre tela.

Figura 11 – Héctor Zárate, “Serenata che ámape”, 2009, 25 x 35 cm, óleo sobre tela.

Notas

[1] WAYS OF SEEING (Episódio1). Produção de Michael Dibb. Roteiro de John Berger. Reino Unido: BBC, 1972. 1 vídeo (30m) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CZhJjP8kiqE&t=312s> Acesso em: 27 out. 2021.

[2] Jorge Castro – 13 Tujuti (con Quemil Yambay). Disponível em: <https://youtu.be/5vKWLQNqXiA>. Acesso em: 15 de out. 2021.

[3] Tradução livre de Mirna Erben

[4] Festival América do Sul: Orquestra paraguaia de instrumentos feitos do lixo é destaque na abertura. Tereré News, 2019. Disponível em: <https://www.tererenews.com.br/destaques/festiv  al-america-do-sul-orquestra-paraguaia-de-instrumentos-feitos-do-lixo-e-destaque-na-abertura/>. Acesso em: 10 out. 2021.

[5] Disponível em: <http://casamericalatina.pt/2021/01/07/orquesta-de-instrumentos-reciclados-de-cateura/>. Acesso em: 10 out. 2021.

[6] Disponível em: <http://demasiadasnoches.blogspot.com/2019/08/baile-de-la-botella-paraguay.html>. Acesso em: 10 nov. 2021.

[7] Disponível em: <https://artesanosyartistas.wordpress.com/2019/04/03/rosa-britez-ceramista-de-america/>. Acesso em: 12 nov. 2021.

[8]  Foto da Paloma Ortiz, concedida pala autora em 1 nov. 2021.

[9] Disponível em: <https://www.facebook.com/asOciacionculturaldelavillareal/posts/2165550663492248/>. Acesso em 12 nov. 2021

[10] Arquivo pessoal da autora.

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